Por que associar Etnobiologia com Conservação da Natureza?

A etnobiologia é um campo em expansão e proeminência, em especial nos países em desenvolvimento face à grande diversidade biológica e cultural que pode ser encontrada nessas regiões. Além disso, a problemática ambiental, relacionada ao manejo e a conservação dos recursos naturais, e a necessidade de desenvolver e descobrir novos produtos da natureza, de modo a atender a sempre crescente necessidade da humanidade por recursos biológicos, faz surgir à necessidade de formar recursos humanos habilitados para tratar essas questões de forma apropriada do ponto de vista teórico e metodológico.

Não se pode falar hoje em dia de conservação da natureza sem considerar todas as dimensões envolvidas, sejam elas científicas, políticas e ideológicas. Incluir os seres humanos nessa discussão, como agentes transformadores da paisagem e dos recursos naturais, tornou-se algo tão óbvio, mas infelizmente negligenciado. Usualmente, o ser humano é colocado como algo que afeta os processos ecológicos, mas não como um elemento que faz parte e interage historicamente com os seres vivos e os diferentes ecossistemas. Nesse sentido, a etnobiologia surge como uma disciplina que, de fato, pode contribuir na formação de profissionais que possam encarar as relações seres humanos e natureza como objeto de investigação. Ao mesmo tempo, no programa de etnobiologia, um profissional voltado unicamente para as questões biológicas da conservação pode ter a sua sensibilidade desenvolvida ou despertada para enxergar a dimensão humana. Portanto, o programa se define em torno de dois grandes eixos, etnobiologia e conservação da natureza.

Mas, o que é etnobiologia? E admitindo uma pluralidade de significados para esse termo, como se posiciona o PPGEtno? A etnobiologia busca observar, compreender e registrar as relações entre as pessoas (sejam elas de populações tradicionais ou não-tradicionais) e o ambiente onde elas vivem. Apesar de ser uma disciplina recente quando comparada a outros ramos científicos, a etnobiologia vem contribuindo em temas relevantes como a conservação da biodiversidade e a descoberta de novas moléculas com atividade farmacológica.   A etnobiologia é entendida por muitos como uma disciplina de fronteira que permite o diálogo com diferentes outras disciplinas por sua natureza interdisciplinar. Portanto, é comum ver antropólogos, ecólogos, biólogos, geógrafos, agrônomos, farmacêuticos etc., atuando na área, e definindo seus interesses de pesquisa com base em sua formação. Na América Latina, por exemplo, maioria dos pesquisadores atuantes na área é originária das ciências da vida, e isso é particularmente mais evidente no Brasil.

Portanto, no sentido stricto do termo, a proposta do Programa de Pós-graduação em Etnobiologia e Conservação da Natureza não é interdisciplinar, visto que a etnobiologia em si já é uma “interdisciplina”, bem como por admitir que no Brasil a maioria dos profissionais tem formação em Biologia ou Agronomia. Isso não limita a formação pretendida para os pós-graduandos, mas coloca um forte componente biológico e ecológico na orientação desses profissionais. Apesar disso, os profissionais que atuam na área precisam lidar com os conceitos e métodos das ciências humanas e sociais, e por isso, aprendem a dialogar com essas áreas para tornar possível sua prática, tomando emprestado os instrumentais e referenciais que verdadeiramente importam para formular suas questões de investigação.

 Assim, entre outras coisas, a etnobiologia permite o entendimento de como nós, seres humanos, compreendemos e manipulamos os recursos naturais, consequentemente contribuindo: 1 - para a conservação e uso sustentável da biodiversidade; 2- Inclusão dos povos tradicionais e não-tradicionais na formulação de políticas públicas, no tocante a conservação dos recursos naturais; 3-  Bioprospecção de novos produtos farmacêuticos ou alimentícios, a partir do uso  tradicional e popular da biodiversidade; 4- Desenvolvimento de estratégias educativas para trabalhar com temas ligados a ecologia e biologia junto as comunidades locais; 5-  Como uma ferramenta para o ensino da biologia.    

 

Histórico

Por que uma pós-graduação em Etnobiologia?

A ideia de uma pós-graduação em etnobiologia sempre foi acalentada pelo Dr. Darrell Posey, etnobiólogo que trabalhou na região Norte do Brasil desde os anos 1970 e falecido em 2002, que vislumbrava a necessidade de formar recursos humanos capazes de transitar na dicotomia natureza e sociedade, considerando as peculiaridades inerentes a cada um desses elementos.   Hoje o cenário brasileiro, permite concretizar esse antigo ideal, em especial na região Nordeste, face: a concentração de recursos humanos especializados em diversos campos da etnobiologia; fazendo deste o primeiro programa de pós-graduação strito sensu interinstitucional do gênero no Brasil e na América Latina. Por ser o primeiro Brasil, o PPGEtno surgiu com o desafio de formar recursos humanos na área e aumentar a produção científica brasileira que já é liderança na América Latina, considerando o número de artigos publicados em revistas indexadas pelo Scopus e Web of Science. No Brasil não há um curso de pós-graduação (Stricto Sensu) que forme recursos humanos especificamente em Etnobiologia, sendo esta a primeira iniciativa a conceber uma formação na área. O que existe são cursos de pós-graduação que oferecem a oportunidade de desenvolver pesquisas na área. A falta de uma formação específica em etnobiologia é uma contradição patente ao fato de sermos um pais detentor de elevada biodiversidade e sociodiversidade.   

Como surgiu o PPGEtno?

O Departamento de Biologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), tendo a frente o Laboratório de Ecologia e evolução de Sistemas Socioecológicos (LEA), em cooperação com a Universidade Estadual da Paraíba-UEPB e Universidade Regional do Cariri-URCA apresentou a proposta de abertura do curso de Doutorado em Associação, modalidade Associação Parcial em Etnobiologia e Conservação da Natureza no ano de 2011. Trata-se da primeira proposta de doutorado voltada para formar profissionais na interface natureza/cultura. Programas semelhantes, no melhor de nosso conhecimento, são oferecidos na Europa e nos Estados Unidos. A proposta então, representou o primeiro Doutorado com esse perfil na América Latina, cuja demanda por profissionais com formação cresce vertiginosamente, especialmente com olhar voltado para tratar as complexas e delicadas questões que envolvem sociedade, natureza e cultura. Em 2015, face a grande demanda, foi aprovada a proposta de abertura do mestrado com a primeira turma ingressando em 2016.

O cenário atual exige urgentemente a formação de profissionais com sensibilidade para tratar essas questões, por diversos motivos: 1. Reconhecimento que as questões ligadas a conservação da natureza não podem ser resolvidas apenas com o olhar da Ecologia e das Ciências Biológicas;  Reconhecimento do papel das diversas culturas e sociedades como parceiras em projetos de conservação e manejo da  vida selvagem; a preocupação com os direitos de propriedade cultural associado com conhecimento tradicional e recursos genéticos, uma vez que se identifica que muitos produtos farmacêuticos e/ou industrias são desenvolvidos a partir do conhecimento da sociodiversidade.

No Brasil, nos últimos 20 anos, a preocupação com essas questões fomentou uma nova geração de profissionais com interesse nessa formação. O PPGEtno procurou unir profissionais e instituições que, embora tenham tido a formação clássica em áreas disciplinares, realizam pesquisas com orientação filosófica baseada na ideia de troca de saberes, articulação verdadeira e interdependência. Na proposta do programa, a etnobiologia vai se colocar como uma mediadora entre as diferentes disciplinas e profissionais, de modo a dar unidade a produção científica e a formação dos profissionais.

A nossa proposta contempla então profissionais oriundos das seguintes áreas: Ciências Agrárias, Ciências Biológicas (Zoologia, Botânica, Ecologia, Fitoquímica), Ciências da Saúde (Farmacologia, Microbiologia) e etnobiologia. Embora com formações distintas, a maioria dos docentes desenvolve suas pesquisas dialogando com a etnobiologia (como é o caso dos farmacologistas, que partem do conhecimento tradicional para avançar na descoberta de novos medicamentos), ou mesmo dos ecólogos clássicos que embora não façam pontes diretas, entendem que não se pode falar de conservação da natureza sem levar em consideração o papel do ser humano como um agente de transformação dos espaços naturais.

Mas, porque um uma pós-graduação em Associação? Devido a grande demanda em todo o Brasil, em especial no Nordeste, de profissionais com uma boa formação na área e pelo fato dos docentes com formação e/sensibilidade para tais questões encontrarem-se dispersos em diferentes regiões. Um doutorado em Associação não só permitiu o ensaio para a constituição de uma rede de formação de recursos humanos, como também fortalece as instituições parceiras que ainda não dispõem de material humano em quantidade suficiente para abrir os seus próprios programas em nível de doutorado. A abertura do PPGEtno consolidou a posição da Região Nordeste do Brasil como um centro de referência internacional na formação de recursos humanos e produção científica em etnobiologia e conservação da natureza. A associação mais recente (2022) é composta pelas seguintes instituições: Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Conceito CAPES e Bolsas de Estudo

O Programa possui atualmente o Conceito 5 da Capes (mestrado e doutorado) com bolsas de estudos da CAPES, FACEPE (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco) e FAPESQ (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba).